Terapia Inalatória na Asma: do Vapor ao Medicamento Genérico
- 568 Views
- SceAdmin
- 20 de janeiro de 2022
- Artigos Destaques Publicações
A asma é uma doença inflamatória crônica, caracterizada por hiperresponsividade das vias aéreas inferiores e por limitação variável ao fluxo aéreo, reversível espontaneamente ou com tratamento, manifestando-se clinicamente por episódios recorrentes de sibilância, dispnéia, aperto no peito e tosse, particularmente à noite e pela manhã ao despertar. Estudo multicêntrico (International Study for Asthma and Allergies in Childhood – ISAAC) realizado em 56 países mostrou uma variabilidade de asma ativa de 1,6% a 36,8%, estando o Brasil em 8º lugar, com uma prevalência média de 20%. Em 2005, o Ministério da Saúde registrou 293.427 internações e 2.603 óbitos por asma no Brasil.
O primeiro relato de um indivíduo com quadro de asma foi identificado em um tratado chinês de medicina interna datado de 2600 a.C. A palavra asma é derivada do grego e significa respirar com a boca aberta, ofegar; e aparece na língua inglesa em torno do ano 1600. Até os meados do século XVII, asma era uma denominação inespecífica associada a qualquer condição clínica que se apresentava com dispnéia. A constelação de achados físicos e sinais que atualmente reconhecemos como asma foi descrita em 1698 por John Floyer que desenvolveu asma após uma infecção respiratória. Floyer fez uma descrição detalhada dos sinais e sintomas, do tratamento, da prevenção e prognóstico. Também descreveu o componente hereditário da asma e os numerosos fatores de exacerbação, como a poluição do ar, infecção, ar frio, exercício, sono, estresse psicológico e tabagismo. De forma astuta observou o benefício do ar limpo e da mudança do ambiente. Floyer definiu a asma como uma respiração forçada com elevação dos ombros e sibilos; compreendeu que a doença era intermitente e episódica, e que o seu tratamento consistia em terapia de resgate e de controle.
A terapia inalatória é tão fundamental para o manejo atual da asma que é difícil imaginar a época em que a doença era tratada sem esta modalidade terapêutica. O desenvolvimento da terapia inalatória sintetiza o rápido desenvolvimento da tecnologia médica que ocorreu na segunda metade do século passado. É fácil imaginar a inalação de medicamentos como uma abordagem moderna, mas a inaloterapia já era utilizada na Índia há 4000 anos. O termo inalador foi empregado pela primeira vez por John Mudge, um médico inglês, em 1778 no seu livro “A Radical and Expeditious Cure for a recent Catarrhous Cough”, no qual descreveu o seu invento feito a partir da adaptação de um caneco utilizado para a inalação de vapor de ópio para tratamento da tosse. Entretanto, a primeira figura de um inalador apareceu no livro de Chistopher Bennet – Theatri Tabidorum – publicado em 1654. Em 1764, Philip Stern definiu que a única possibilidade de aplicar medicamentos diretamente nos pulmões é através da traquéia. Em 1864, em Londres, Newton patenteou um sistema de inalação para medicação em pó seco; ele observou que o pó deveria ser mantido seco e pulverizado com cuidado, princípios que são aplicados aos atuais inaladores de pó seco.
O primeiro relato do benefício da terapia com broncodilatador na asma foi feito por James Burnett, um médico de Edinburgh, em 1903. Entretanto, a terapia inalatória foi revolucionada pela invenção do nebulizador pMDI (pressurised metered dose inhaler) no início dos anos 50 e pela sua introdução na prática clínica em 1956. Este sistema foi rapidamente difundido, pois pela primeira vez havia um método fácil e efetivo na liberação do broncodilatador.
Ao todo, a primeira metade do século XX foi marcada por invenções notáveis:
Nos anos 20, houve a primeira menção de inalação de atropina através de um pulverizador foi feita por Hurst;
Em 1924, Schmid e Chen identificaram a efedrina que foi utilizada posteriormente por via inalatória;
Nos anos 30, os primeiros nebulizadores por compressores foram utilizados para a administração de extratos de adrenal e papaverina (Bronchovydrin);
Em 1940, a isoprenalina foi descrita por Konzett e foi rapidamente disponibilizada para inalação;
Em 1950, Reeder and Mackay trataram pneumonia com corticosteróide inalatório e desencadearam a uma investigação intensa sobre o uso de antiinflamatórios por via inalatória. Gelfrand, em 1951, relatou o uso de cortisol inalatório em cinco pacientes. Em 1955, Foulds utilizou a hidrocortisona na forma de pó. Este trabalho levou à descoberta da beclometasona vinte anos mais tarde.
Em 1972, foi lançado o primeiro esteróide inalatório, a beclometasona. Posteriormente, vários corticóides foram desenvolvidos e alguns levaram ao lançamento de novos inaladores.
No início dos anos 90, foram publicados vários estudos que abordaram a fisiopatologia da doença, sua história natural e novas abordagens farmacológicas que continuam presentes na prática clínica atual. Laitinen e colaboradores demonstraram que alterações estruturais e inflamatórias estavam presentes nas vias aéreas dos portadores de asma mesmo quando estes estavam relativamente bem. O mesmo grupo evidenciou que os pacientes que foram tratados precocemente com corticóide inalatório apresentavam melhor resposta do que os pacientes que receberam, inicialmente, apenas com broncodilatador. Além disso, este último grupo não recuperou a função pulmonar quando o tratamento foi mudado para a corticoterapia inalatória.
As medicações para o tratamento da asma podem ser classificadas em dois grupos: as utilizadas para controle e as indicadas para o alívio. As drogas para controle são medicamentos utilizados diariamente por longo período e mantêm a doença sob controle devido aos efeitos antiinflamatórios. As drogas de alívio são utilizadas para reversão do quadro de broncoespasmo agudo. Os medicamentos podem ser administrados por diferentes vias – inalatória, oral ou parenteral. A maior vantagem da terapia inalatória é que as drogas são liberadas diretamente nas vias aéreas, produzindo uma alta concentração local com um risco significantemente menor de reações adversas sistêmicas.
Os corticosteróides inalatórios são as drogas atualmente mais eficazes para o controle da asma. Grande parte dos pacientes com asma leve obtém o controle com doses baixas, enquanto que outros necessitam de doses moderadas ou altas. O tratamento de manutenção com corticosteróide inalatório reduz a freqüência e gravidade das exacerbações, o número de hospitalizações e de atendimentos nos serviços de emergência, melhora a qualidade de vida, a função pulmonar e a hiperresponsividade brônquica, dimi¬nui a broncoconstricção induzida pelo exercício e reduz o número de mortes.
Em pacientes com asma grave, a associação de corticóide inalatório em doses moderadas com β2-agonista de ação longa controla melhor os sintomas do que o uso de doses elevadas do corticóide inalatório. Além disso, esta associação melhora a sintomatologia, reduz as crises de asma noturna, melhora a função pulmonar, reduz o uso de β2-agonista de curta ação, reduz o número de exacerbações e permite o controle clínico da asma em um número maior de pacientes, com maior rapidez, do que o uso isolado de corticosteróide inalatório.
A grande eficácia desta combinação levou ao desenvolvimento de combinações fixas de corticosteróides e de β2-agonista de ação longa. Estudos controlados demonstraram que a administração conjunta destas drogas é tão eficaz quanto a administração por sistemas distintos. Além disso, a combinação de budesonida e formoterol pode ser utilizada no tratamento de manutenção e de resgate. Esta abordagem terapêutica, já aprovada pelo órgão regulatório da União Européia, é interessante para o paciente por ser mais fácil de usar e, desta forma, contribui para a aderência ao tratamento.
Entretanto, é necessário ressaltar que a disseminação dos benefícios dos novos tratamentos à população está intimamente ligada à condução da política de medicamentos genéricos. As vantagens ultrapassam os limites do benefício individual e alcançam toda a sociedade, pois reduz o impacto da asma no custo econômico e social, ou seja, assistência médica direta, dias perdidos de trabalho ou estudo, entre outros.
O estabelecimento de metodologias para avaliação da bioequivalência é um dos pontos fundamentais da política de medicamentos genéricos. Neste ponto, os medicamentos inalatórios impõem desafios. A bioequivalência entre maioria das drogas pode ser determinada através de protocolos clínicos com foco na farmacocinética do produto de referência versus o genérico (teste). Tanto os corticosteróides inalatórios, quanto os beta-agonistas, possuem baixa absorção no tecido pulmonar, fato que torna praticamente inviável o estudo comparativo através da farmacocinética. Desta forma, o desenvolvimento de protocolos para a avaliação da farmacodinâmica é o melhor caminho para transpor este desafio.
Maurício Wesley Perroud Junior
Médico Pneumologista
Mestre em Clínica Médica pela FCM/UNICAMP.
Gerente de Serviços de Apoio Médico – Hospital Estadual Sumaré / UNICAMP.
BIBLIOGRAFIA
- IV Diretrizes Brasileiras para o Manejo da Asma. Jornal Brasileiro de Pneumologia, 2006. 32(Supl 7): p. S447-S474.
- 2005, Brasil. Ministério da Saúde: Brasília.
- 2008, Brasil. Ministério da Saúde: Brasília.
- Bateman, E.D., et al., Can guideline-defined asthma control be achieved? The Gaining Optimal Asthma ControL study. Am J Respir Crit Care Med, 2004. 170(8): p. 836-44.
- Chu, E.K., Drazen, J.M., Asthma. One Hundred Years of Treatment and Onward. Am J Respir Crit Care Med, 2005. 171: p.1202-08.
- Crompton, G., A brief history of inhaled asthma therapy over the last fifty years. Primary Care Respiratory Journal, 2006. 15: p. 326-31.
- Global Strategy for Asthma Management and Prevention, Global Initiative for Asthma (GINA) 2007. 2007.
- Greening, A.P., et al., Added salmeterol versus higher-dose corticosteroid in asthma patients with symptoms on existing inhaled corticosteroid. Allen & Hanburys Limited UK Study Group. Lancet, 1994. 344(8917): p. 219-24.
- Haahtela, T., Jarvinen, M., Kava, T., et al., Comparison of a beta 2-agonist, terbutaline, with a inhaled corticosteroid, budesonide, in newly detected asthma. N Engl J Med, 1991. 325(6): p. 388-92.
- Kesten, S., et al., A three-month comparison of twice daily inhaled formoterol versus four times daily inhaled albuterol in the management of stable asthma. Am Rev Respir Dis, 1991. 144(3 Pt 1): p. 622-5.
- Kips, J.C., et al., A long-term study of the antiinflammatory effect of low-dose budesonide plus formoterol versus high-dose budesonide in asthma. Am J Respir Crit Care Med, 2000. 161(3 Pt 1): p. 996-1001.
- Laitinen, L.A., Helno, M., Laitinen, A., et al., Damage of the airway epithelium and bronchial reactivity in patients with asthma. Am Rev Resp Dis, 1985. 131(4): p. 599-606.
- Lalloo, U.G., et al., Budesonide and formoterol in a single inhaler improves asthma control compared with increasing the dose of corticosteroid in adults with mild-to-moderate asthma. Chest, 2003. 123(5): p. 1480-7.
- Lavorini F, Geri P, Camiciottoli G, et al. Agreement between two methods for assessing bioequivalence of inhaled salbutamol. Pulmonary Pharmacology & Therapeutics, 2008; 21(2):p. 380-4.
- Masoli, M., et al., Moderate dose inhaled corticosteroids plus salmeterol versus higher doses of inhaled corticosteroids in symptomatic asthma. Thorax, 2005. 60(9): p. 730-4.
- O’Byrne, P.M., et al., Low dose inhaled budesonide and formoterol in mild persistent asthma: the OPTIMA randomized trial. Am J Respir Crit Care Med, 2001. 164(8 Pt 1): p. 1392-7.
- O’Byrne, P.M., et al., Budesonide/formoterol combination therapyas both maintenance and reliever medication in asthma. Am J Respir Crit Care Med, 2005. 171(2): p. 129-36.
- Partridge, M.R., Asthma: 1987-2007. What have we achieved and what are the persisting challenges? Primary Care Respiratory Journal, 2007. 16(3): p. 145-148.
- Pauwels, R.A., et al., Effect of inhaled formoterol and budesonide on exacerbations of asthma. Formoterol and Corticosteroids Establishing Therapy (FACET) International Study Group. N Engl J Med, 1997. 337(20): p. 1405-11.
- Pearlman, D.S., et al., A comparison of salmeterol with albuterol in the treatment of mild-to-moderate asthma. N Engl J Med, 1992. 327(20): p. 1420-5.
- Sanders, M., Inhalation therapy: an historical review. Primary Care Respiratory Journal, 2007. 16(2): p. 71-81.
- Shrewsbury, S., S. Pyke, and M. Britton, Meta-analysis of increased dose of inhaled steroid or addition of salmeterol in symptomatic asthma (MIASMA). Bmj, 2000. 320(7246): p. 1368-73.
- Smith, M.J., K.L. Rascati, and B.C. McWilliams, Inhaled anti-inflammatory pharmacotherapy and subsequent hospitalizations and emergency department visits among patients with asthma in the Texas Medicaid program. Ann Allergy Asthma Immunol, 2004. 92(1): p. 40-6.
- Suissa, S., et al., Low-dose inhaled corticosteroids and the prevention of death from asthma. N Engl J Med,
- 343(5): p. 332-6.
- Tobar F. Economía de los medicamentos genéricos en America Latina. Rev Panam Salud Publica. 2008; 23(1):p. 59–67.
- Walter, M.J., Holtzman, M.J., A Centennial History of Research on Asthma Pathogenesis. Am J Respir Cell Mol Biol, 2005. 32: p. 483-89.
- Wenzel, S.E., et al., Efficacy, safety, and effects on quality of life of salmeterol versus albuterol in patients with mild to moderate persistent asthma. Ann Allergy Asthma Immunol, 1998. 80(6): p. 463-70.
- Woolcock, A., et al., Comparison of addition of salmeterol to inhaled steroids with doubling of the dose of inhaled steroids. Am J Respir Crit Care Med, 1996. 153(5): p. 1481-8.
- Worldwide variation in prevalence of symptoms of asthma, allergic rhinoconjunctivitis, and atopic eczema: ISAAC. The International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC) Steering Committee. Lancet, 1998. 351(9111): p. 1225-32.